terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Igreja: um delírio


Por Ariovaldo Ramos
Quando me converti, muitas coisas passaram pela minha cabeça. E devido à efusividade de meus “mentores” que insistiam que eu deixasse as ideias revolucionárias de lado, acabei por simplesmente obedecer. Mas muitos anos se passaram, de modo que hoje eu estou na posição de mentorear outros. Sinto muito por decepcionar todos os meus companheiro de ministério, mas me recuso a amputar sonhos e revoluções. Principalmente se estes tiverem algo a ver com a boa, perfeita e agradável vontade de Deus.
Dentre as coisas que me senti profundamente incomodado nestes anos todos e agora me sinto sufocado ao extremo, está a institucionalização da Igreja de Cristo. Criamos hierarquias rígidas, debaixo de um discurso hipócrita de flexibilidade. Ah sim! Percebemos que a igreja também tem “donos”. A política, no seu sentido mais sujo e desprezível, passou a influenciar todos os níveis daquilo que antigamente era apenas um dom: a liderança. As decisões se tornaram arbitrárias (muitas vezes não fazem sentido e são fruto de interesses particulares de um pequeno grupo), as “visões” cada vez mais se parecem com metas empresariais, planos de carreira passaram a ser oferecidos a quem deveria se preocupar exclusivamente com o ensino da palavra de Deus e o ativismo se tornou uma bandeira. A pressa que desde os primórdios do mundo era apenas de Deus, agora é parte inalienável de 99,9% dos ministérios. A “produtividade” passou a ser o critério mais importante.
Paralelo a isso tudo, sinto saudades de uma Igreja que nunca conheci. Onde a pressa é realmente inimiga da perfeição e onde vivemos um dia de cada vez. Ministérios estão debaixo do chamado individual de cada um (ah… Deus realmente considera cada um especial e único!) e suas funções são plenamente desempenhadas à medida que nos tornamos cristãos melhores. O ensino se dá através do relacionamento e não através de escolas infinitas, cujo currículo constantemente vai sendo inflacionado. Evangelismos ocorrem quando vivemos, quando comemos, quando conversamos sobre as trivialidades da vida. O Reino de Deus está em nós e não conseguimos mudar isso mesmo que nos esforcemos muito. Toda vez que nos sentamos ao redor de uma mesa ocorre uma “santa ceia”. Deus é glorificado na lentidão em que ingerimos o vinho e a cerveja. Ao mesmo tempo há choro e intenso confronto. Amigos não se poupam; mas espremem as feridas uns dos outros e em seguida oferecem todo cuidado para que haja cura completa. A plantação de Igrejas é alvo vivo e orgânico, naturalmente acontecendo à medida em que os “santos” se sentem capacitados e conscientes de sua vocação. Todo cristão se torna um missionário e, à medida que a vida nos leva para longe, naturalmente um pedaço desta Igreja e do Reino vão junto. Amigos inseparáveis, um evangelho implacável, a justiça que excede os interesses individuais e o amor sem limites. A liderança volta a ser conquistada pela influência e, o maior volta a ser o que mais serve. Um mundo quase paralelo, onde vivemos para perder. Gastamos nosso tempo, dinheiro e o que resta de juventude para cultivar relacionamentos conforme aquilo que compreendemos que não dá mais pra separar de nossa alma: a vontade de revelar ao mundo que Deus é bom e que por mais que nos esforcemos, não conseguimos abandonar amor tão intenso.
Não! O delírio não é a Igreja que acabei de descrever. O delírio está nos prédios e em tudo que transformaram a tradição de nossos antepassados. O delírio está em achar que fora deste sistema maligno não há vida.
No fundo, do mais herege ao menos herege, pessoas provavelmente encontram a salvação pela pura misericória de Deus. Mas a plenitude da revelação que está em Cristo continua a ser amputada, geração após geração. Bando de religiosos nos tornamos. Grande porcaria de igreja nós construímos.
Cansei. Parei. E não estou nem um pouco interessado em me aposentar. Mas diligentemente quero ver o evangelho renascer com todo o seu esplendor e simplicidade. Nem que isso nos custe a vida. Minha, da minha família e de meus companheiros de jornada.
Não temos outro lugar pra ir. Não temos outra coisa pra fazer.

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