domingo, 7 de novembro de 2010

O Quê significa andar em Amor – Sinclair Ferguson


Num certo sentido, saber a vontade de Deus nos envolve numa contínua série de decisões e escolhas. Devemos escolher o caminho do Senhor, e não o nosso próprio caminho, nem o dos ideais do mundo.

Em todas as eras do reino de Deus o Seu povo sempre teve consciência disso. O livro de Salmos começa com palavras que dão a chave do Saltério todo. Faz-nos lembrar que se estendem diante de todos os homens dois caminhos. Há o caminho dos justos e o dos ímpios. O Senhor "conhece o caminho dos justos", ou, na versão utilizada pelo autor, "vela pelo caminho dos justos" (Salmo 1:6). Noutras palavras, Ele os guia na rota das Suas bênçãos quando andam pela estrada da obediência.

Esta ênfase sobre "os dois caminhos" (como veio a ser conhecida) é uma característica marcante do ensino cristão. Um dos mais antigos documentos da Igreja Cristã, chamado Didaquê, ilustra isso. Ele começa: "Há dois caminhos, um o da vida, outro o da morte; e entre os dois caminhos há grande diferença". Seus capítulos iniciais expõem o tema com minúcias. Mas isto não é mais que uma continuação da ênfase do Novo Testamento. Muitas parábolas de Jesus inferem a mesma coisa, dado que nos levam a defrontar duas alternativas na vida. Mais explicitamente vemos esse tema perpassando pelas Epístolas de Paulo. Há o caminho da carne ou o do Espírito. Há o caminho da vista ou o da fé. Cabe-nos escolher um e rejeitar o outro. Cabe-nos seguir por um deles e fugir do outro. Fazendo isso, andamos no caminho do Senhor.

A carta aos efésios acentua compreensivamente este ensino. Ali (como em Colossenses 1:10; 1 Tessalonicenses 2:12) Paulo discorre sobre andar dignamente, adotando o estilo de vida que verdadeiramente segue a vontade de Deus. No restante deste capítulo examinaremos o ensino que ele ministra.

Efésios é, talvez, a carta mais magnífica de todas as de Paulo. Geralmente é considerada como uma carta circular (daí a total ausência de saudações pessoais e também a natureza geral do seu conteúdo). A cópia da carta que possuímos é a que foi enviada para Efeso. O tema de Paulo é a graça maravilhosa de Deus. Ele expõe as suas espantosas dimensões nos versículos iniciais da carta. A graça de Deus para conosco teve início na eternidade. Ele nos escolheu em Cristo antes da fundação do mundo (Efésios 1:4). Seu amor nos toca no tempo, mediante a obra realizada por Cristo e pelo Espírito Santo (Efésios 1:12-13). A graça de Deus nos levará à Sua eterna glória, quando gozaremos todas as bênçãos decorrentes do fato de sermos os Seus filhos e filhas adotados (Efésios 1:5,10,14). A graça divina nos transforma, de pecadores mortos e rebeldes, em filhos obedientes (Efésios 2:1-10).

A mensagem da graça não pára nisso. E fascinante observar o desenvolvimento do pensamento de Paulo nestes capítulos. Desde o princípio do capítulo 3 é óbvio que ele está se esforçando para aplicar a graça de Deus às questões da vida cristã prática. "Por esta causa", isto é, por causa desta graça, diz ele, "eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios..." - e, indubitavelmente, sua intenção é dizer: "Rogo-lhes que vivam e andem de maneira completamente coerente com o que a graça de Deus fez por vocês". Mas Paulo não pode escrever a palavra "gentios" sem ser apanhado por total espanto porque agora, durante a duração da sua vida, e em grande parte por intermédio do seu ministério, o evangelho se libertou dos seus limites judaicos. A graça de Deus vai alcançando todas as nações! Assim, em certo sentido, ele sai pela tangente do propósito que tinha em vista.

Exatamente a mesma coisa ocorre no início de Efésios, capítulo 4! Palavras semelhantes são empregadas: "Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados". No entanto, quando se põe a expandir o seu tema, vê que é necessário explicar a grande doutrina da unidade, diversidade e resultante harmonia da graça na Igreja. Mais adiante, no versículo 17, ele volta ao tema que tinha começado a desenvolver no capítulo 3.

Às vezes, nas traduções inglesas modernas, esta relação é obscurecida. Mas, nas traduções mais antigas (A.V., R.V.) a palavra "andar" é utilizada constantemente (2:2,10; 4:1,17; 5:2,8,15). Se você marcar estes versículos numa Bíblia em português (mesmo na versão de Almeida, Edição Revista e Corrigida, normalmente utilizada na presente tradução), notará com que clareza o tema do andar cristão é desenvolvido nesta carta. O cristão é um novo homem e, portanto, deve andar como um novo homem (Efésios 4:17-24). Precisamente como o homem dominado pelo álcool evidenciará isso no seu andar, o homem que está sob o domínio do Espírito o demonstrará pela maneira como ele anda segundo a vontade de Deus (Efésios 5:18). Ele fará a Palavra de Cristo habitar ricamente nele (Colossenses 3:16). Noutras palavras, ele descobrirá a vontade do Senhor para a sua vida pela obediência à vontade do Senhor para a vida de todos os crentes. Esta vontade nos é dada a conhecer nas Escrituras.

Como havemos de andar de modo digno de Deus? Paulo indica que é vivendo de maneira coerente com o Seu caráter revelado. Na primeira parte da carta, ele fala (1) da revelação do amor de Deus (1:4); (2) da iluminação do povo de Deus por Sua graça (1:17); (3) da revelação da sabedoria de Deus na salvação (3:10). No capítulo 5 ele retoma esses temas e demonstra como a vida cristã é coerente com eles. Viver segundo a vontade de Deus é andar em amor, andar na luz e andar em sabedoria.

Andar em Amor

"Sede pois imitadores de Deus, como filhos amados; e
andai em amor, como também Cristo vos amou, e se
entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a
Deus, em cheiro suave.
Mas a prostituição, e toda a impureza ou avareza, nem
ainda se nomeie entre vós, como convém a santos; nem
torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não
convém; mas antes ações de graças.
Porque bem sabeis isto: que nenhum fornicário, ou
impuro, ou avarento, o qual é idolatra, tem herança no
reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com
palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Véus sobre os
filhos da desobediência." -Efésios 5:1-6

Que significa "andar em amor"? Paulo o expressa positiva e negativamente. Positivamente significa seguir o exemplo do amor de Cristo, demonstrado na cruz. O verdadeiro andar em amor significa dar-se aos outros e pelos outros. Esse é um inalterável princípio do viver segundo a vontade de Deus. Martinho Lutero costumava dizer que o problema com o homem é que ele é incurvatus in se - curvado sobre si próprio. Ele torceu os propósitos de Deus para a sua vida vivendo para si mesmo. Mas a graça muda isso, e o faz mudar mais e mais, com vistas a produzir a semelhança de Cristo em nós. Andar segundo a vontade de Deus significa viver como uma oferta a Deus e como um sacrifício vivo pelos outros (Romanos 12:1-2).

Paulo também expressa negativamente o andar em amor. Isso é impressionante, em nossa moderna atmosfera de opinião, em que se presume tão superficialmente que quem ama nunca deve dizer "Não". Este é um conceito radicalmente errado. Você notará que, nestes versículos iniciais de Efésios, capítulo 5, Paulo dá uma substancial (e, contudo, não exaustiva) lista de práticas às quais o amor dirá "Não". Andar nos caminhos de Deus significa recusar outros caminhos!

Por que há de ser assim? Porque o amor é o cumprimento da lei Portanto, o amor recua ante a quebra da lei. O amor sabe que há muitas atividades sobre as quais ele escreverá "Não-Não" (Romanos 13:8-10).

Você já observou com que clareza essa ênfase negativa aparece na descrição que Paulo faz do amor em 1 Coríntios, capítulo 13?

O amor não é invejoso
O amor não trata com leviandade
O amor não se ensoberbece
O amor não se porta com indecência
O amor não busca os seus interesses
O amor não se irrita
O amor não suspeita mal
O amor não folga com a injustiça

É por esta razão que Paulo descreve a avareza como idolatria, em Efésios 5:5. Geralmente não associamos tão estreitamente essas duas coisas. Mas no modo de pensar do Novo Testamento, o oposto do amor é o amor egocêntrico. E o amor egocêntrico é uma forma de idolatria, exatamente como é a raiz da avareza.

Ter direção, saber e praticar a vontade de Deus, como agora estamos começando a ver, é uma questão moral, e não apenas intelectual. Assim também o amor é uma questão moral. Não é mera questão de sentimentos. Envolve decisões do coração. Estar andando segundo a vontade de Deus implica que alguma medida desta qualidade do amor cristão está sendo exibida em nossas vidas. No mínimo, se dizemos que desejamos a vontade de Deus, temos que fazer do amor o nosso objetivo (1 Coríntios 14:1).

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